Gregório de Nissa sobre a origem do mal

Mas qual é, dirás, a causa pela qual a criatura, uma vez honrada pelos melhores dons em tudo, recebeu em troca desses bens uma condição inferior? Este ponto também se explica facilmente. Nenhuma origem do mal teve o seu princípio na vontade divina, porque a maldade fugiria da condenação, se pudesse dar a Deus o título de seu criador e patrão. Entretanto, de alguma maneira o mal nasce de dentro, produzido pela ação da vontade, sempre que a alma se afasta do bem. Como a vista é uma atividade da natureza e a cegueira é a privação daquela atividade física, assim a mesma oposição ocorre entre a virtude e o vício. Não é, de fato, possível conceber a existência do mal senão como ausência da virtude. E como, ao apagar-se da luz, sobrevém a obscuridade, que não existe enquanto aquela está presente, assim também, enquanto o bem está presente em nossa natureza, o mal está privado em si de existência: é o apagar-se do elemento superior que determina a gênese do contrário. Portanto, uma vez que o caráter próprio da liberdade é de escolher livremente o objeto desejado, a causa de teus males não é Deus, que formou a tua natureza independente e livre, mas a vontade perversa que escolheu o pior em vez do melhor (Grande Catequese, V, 10-11)

Se, portanto, se considera o objetivo que se propõe em sua sabedoria Aquele que governa o universo, não se poderá mais, em boa lógica, designar em um movimento de mesquinhez o criador da humanidade como responsável pelos males, dizendo que ele ou não conhece o futuro, ou, conhecendo-o,  não é estranho à tendência para o mal; porque realmente Deus conhecia o futuro, e não impediu o movimento em direção ao que se produziu. Que, de fato, o gênero humano se desviaria do bem, não o ignorava Aquele que domina tudo por sua faculdade de conhecer e vê tanto o futuro como o passado. Mas, como ele viu antecipadamente o desregramento do homem, assim também ele previu chamá-lo outra vez para o bem. Mas o que era melhor: não trazer a nossa natureza à existência, uma vez que previa que a criatura se desviaria do bem, ou trazê-la e, uma vez tornada enferma, chamá-la novamente à graça originária mediante a conversão? (VIII, 13-14).

E uma vez que é imutável por natureza somente o que não tem existência por via de criação, os seres, ao contrário, vindos à existência a partir do não-ser por obra da natureza incriada, tendo começado a existir a partir desta mesma transformação, procedem por via de mudança contínua: se a criatura age segundo sua natureza, esta mudança se produz sempre no sentido do melhor, e se, porém, ela se desvia do caminho reto, então se produz um movimento que a arrasta incessantemente para o sentido contrário (VIII, 18).