Gregório de Nissa: na encarnação, o Verbo não assumiu nada de vergonhoso

Até aqui, aquele que considera o encadeamento lógico das ideias dará talvez seu assentimento ao que expus, porque nada do que foi dito lhe parecerá incompatível com uma concepção digna de Deus. Mas não terá a mesma atitude diante dos fatos sobre os quais se fundamenta principalmente o mistério da verdade: o nascimento humano (de Cristo), seu crescimento desde a infância até a maturidade, o fato de comer e de beber, a fadiga, o sono, a dor e as lágrimas, a falsa acusação e o tribunal, a cruz, a morte, o enterro no sepulcro; esses fatos, que são parte integrante do mistério da fé, enfraquecem de algum modo a fé das almas mesquinhas, a tal ponto que as doutrinas antes apresentadas não lhes permitem aceitar nem mesmo a sequência do raciocínio. Com efeito, o que há de verdadeiramente digno de Deus na ressurreição dentre os mortos, esses não o admitem por causa do inconveniente que reveste a morte.

Antes de tudo, julgo que, afastando um pouco a razão da materialidade carnal, deve-se entender o bem em si mesmo e aquilo que dele difere, procurando saber por quais notas distintivas a inteligência reconhece um e outro. Penso que ninguém, que tenha refletido com maturidade, contestará que, entre todas as coisas, uma só é vergonhosa por natureza, a saber: a enfermidade ligada ao mal, e o que está fora do mal é estranho a toda vergonha. Ora, ao que nada possui de vergonhoso é considerado sem dúvida como fazendo parte do bem, e o que é verdadeiramente bom não tem nenhuma mistura com o seu contrário. Mas tudo o que é percebido como fazendo parte do âmbito do bem é digno de Deus.

Demonstrem, portanto, que são coisas más, o nascimento, a educação, o crescimento, o progresso para a maturidade natural, a prova da morte e a ressurreição dos mortos! Do contrário, se se concorda que as realidades mencionadas estão fora do mal, deveremos reconhecer que aquilo que é estranho ao mal nada tem de vergonhoso. Mas uma vez demonstrado que necessariamente é bom o que está livre de todo mal e de toda vergonha, como não lastimar a estultícia de quem sustenta que o bem não convém a Deus? (Grande Catequese, IX, 1-3).