Agostinho sobre a autoridade das Escrituras

Em todos estes livros [da Bíblia] aqueles que temem a Deus e são de disposição pacífica e piedosa buscam a vontade de Deus. No empreendimento dessa busca, a primeira regra a observar, como disse, para conhecer estes livros, se não ainda com entendimento, é lê-los de modo a guardar tudo na memória, ou pelo menos de modo a não permanecer totalmente ignorante deles. A seguir, aquelas matérias que são estabelecidas claramente neles, sejam regras de vida ou regras de fé, devem ser buscadas de forma mais cuidadosa e mais diligente; e quanto mais dessas coisas um homem descobre, mais fácil torna-se seu entendimento. Pois, entre as coisas que estão claramente dispostas na Escritura encontram-se todas as matérias a respeito da fé e da maneira de viver - a saber, esperança e amor, do que falei no livro anterior. Depois disso, quando nos tornamos mais familiarizados com a linguagem da Escritura, devemos começar a olhar e investigar as passagens obscuras, e então tirar exemplos das passagens mais claras para jogar luz sobre as mais obscuras, e usar a evidência das passagens a respeito das quais não há dúvida para remover a hesitação a respeito das passagens dúbias. E nesse trabalho a memória conta muito (Da Doutrina Cristã, II, 9).

Com respeito a todos os outros escritos [além da Escritura sagrada], ao lê-los, seja qual for a superioridade de seus autores sobre mim em santidade e conhecimento, não aceito seus ensinamentos como verdadeiros pelo mero fato da opinião ser deles; mas apenas porque eles conseguiram convencer meu julgamento de sua verdade, seja por meio das próprias Escrituras canônicas, seja por argumentos dirigidos à minha razão. Acredito, meu irmão, que essa é sua opinião também. Não preciso dizer que não suponho que você não deseja ver seus livros sendo lidos como os dos profetas e apóstolos, a respeito dos quais seria errado duvidar que estejam livres de erro (Carta LXXXII).

Pois tal é a profundidade das Escrituras cristãs, que mesmo que eu estivesse procurando somente estudá-las desde a infância até a velhice, com todo cuidado e zelo incansável, e talentos maiores do que tenho, ainda estaria fazendo progresso diário em descobrir tesouros; não que exista grande dificuldade em chegar por elas a conhecer as coisas necessárias à salvação, mas que, uma vez que aceitamos aquelas verdades da fé que são indispensáveis como fundamento para a vida da piedade e retidão, muitas outras coisas permanecem veladas debaixo de muitos mistérios esperando para serem inquiridos por aqueles que avançam nos estudos... (Carta 137).

O Pai e o Filho são, portanto, de uma e mesma substância. Esse é o significado daquele "homoousios" que foi confirmado contra os hereges arianos no Concílio de Niceia pelos Padres católicos com a autoridade da verdade e a verdade da autoridade. Posteriormente, no Concílio de Ariminum, entendeu-se menos do que deveria por causa da novidade da palavra, ainda que a antiga fé tenha dado origem a ela. Lá a impiedade dos heréticos sob o imperador herético Constâncio tentou enfraquecer sua força, quando muitos foram enganados pela fraude de uns poucos. Mas não muito depois disso, a liberdade da fé católica prevaleceu, e depois que o significado da palavra foi entendido como deveria, aquele "homoousios" foi defendido mais e melhor pela solidez da fé católica. Afinal de contas, o que significa "homoousios" senão "de uma e mesma substância"? O que "homoousios" significa, eu pergunto, senão que "o Pai e eu somos um" [Jo 10:30]? Não devo, entretanto, introduzir o Concílio de Niceia para prejulgar o caso em meu favor, nem você deve introduzir o Concílio de Ariminum desse modo. Não estou limitado pela autoridade de Ariminum, e você não está limitado pela de Niceia. Pela autoridade das Escrituras - que não são propriedade de ninguém, mas a testemunha comum entre nós -, deixemos posição lutar contra posição, caso com caso, razão com razão (The Works of Saint Augustine, Answer to Maximinus, Book II, XIV).