Hilário de Poitiers sobre a unidade dos fiéis com Cristo

O Senhor não deixa nada incerto para o conhecimento dos fiéis; Ele próprio ensinou o efeito que causará sua natureza, dizendo: Que sejam Um, como nós somos Um, Eu neles, e Tu em mim; para que sejam perfeitos na unidade (Jo 17,22-23). Pergunto aos que situam na vontade a unidade, se é pela verdade da natureza que hoje Cristo está em nós, ou se é pela concórdia da vontade. Se o Verbo verdadeiramente se fez carne e se nós recebemos verdadeiramente o Verbo feito carne, no Pão do Senhor, como não se deve julgar que, por sua natureza, permanece em nós Aquele que, tendo nascido Homem, assumiu inseparavelmente a natureza de nossa carne e uniu a natureza de sua carne à natureza da eternidade no sacramento em que nos comunica sua carne? Todos somos um porque o Pai está em Cristo e Cristo está em nós. Portanto, todo aquele que negar que o Pai, por sua natureza, está no Filho, negue, antes, estar ele mesmo em Cristo, ou negue que Cristo esteja nele por sua natureza; porque o Pai que está em Cristo e Cristo que está em nós nos fazem ser um neles. Se Cristo assumiu verdadeiramente a carne de nosso corpo e se o Homem que nasceu de Maria, é verdadeiramente Cristo, e se nós, no sacramento, recebemos verdadeiramente a carne de seu corpo (e por isso seremos um, porque o Pai está nele e Ele, em nós), como se afirmará a unidade de vontades se, pelo sacramento, a própria natureza é o sacramento da perfeita unidade?

Não compete ao senso humano ou profano falar das coisas de Deus, e a perversidade de uma compreensão ímpia não pode ser corrigida pela pregação violenta e imprudente das sentenças celestes. Leiamos o que está escrito e entendamos o que lemos; cumpriremos então o dever de professar a perfeita fé. Sobre a realidade de Cristo em nós pela natureza, falaremos de modo estulto e ímpio, se não tivermos aprendido dele o que devemos dizer, pois Ele diz: Minha carne é verdadeiro alimento, e meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim, e eu nele (Jo 6,56-57). Não há lugar para duvidar da realidade da carne e do sangue, porque, conforme a declaração do próprio Senhor e segundo nossa fé, trata-se, verdadeiramente, da carne e do sangue. Quando comemos e bebemos, produz-se em nós o efeito de estarmos em Cristo e de Cristo estar em nós. Acaso isso não é verdade? Certamente não hão de tê-lo por verdadeiro os que negam que Jesus Cristo seja verdadeiro Deus, pois Ele está em nós por sua carne e nós estamos nele enquanto o que nós somos está com Ele em Deus.

Ele mesmo atesta que, pelo sacramento da comunhão de sua carne e sangue, estamos nele: Ainda um pouco e o mundo já não me verá; vós, porém, me vereis, porque eu vivo e vós vivereis; porque eu estou no Pai, e vós em mim, e eu em vós (Jo 14,19-20). Se queria que entendêssemos tratar-se somente de uma unidade de vontades, por que exporia então, por certa graduação e ordem a realização da unidade? Certamente quis que acreditássemos estar Ele no Pai, pela natureza divina, e nós nele, por sua natividade corporal, enquanto Ele está em nós pelo mistério dos sacramentos, para que assim se ensinasse a perfeita unidade realizada pelo Mediador, visto que nós permanecemos nele e Ele permanece no Pai e permanece em nós, permanecendo no Pai. Assim chegaremos à unidade com o Pai, porque estamos, por natureza, naquele que, por natureza, está no Pai e que, por natureza, permanece em nós (Tratado sobre a Santíssima Trindade, VIII).