Agostinho: como os santos no céu recebem nossas súplicas

Eis uma questão que ultrapassa as possibilidades da minha inteligência: como os mártires, que sem dúvida alguma vêm em ajuda de seus devotos, aparecem: se em pessoa e no mesmo momento; se em diversos lugares e afastados uns dos outros; se somente onde se encontra seu túmulo ou em qualquer outro lugar onde se faz sentir sua ação? Ou bem, se eles permanecem confinados na morada reservada a seus méritos, longe de todo relacionamento com os mortais, contentando-se em interceder pelas necessidades dos que os suplicam? Será assim como nós mesmos rezamos pelos mortos, sem lhes estar presentes e sem saber onde estão nem o que fazem?

Não será Deus, o Deus onipotente, presente em toda parte, que não se acha confinado em nós, e tampouco afastado de nós, que atende as orações dos mártires, servindo-se do ministério dos anjos, cuja ação se estende a todas as coisas, para distribuir aos homens o consolo que ele julga lhes ser necessário nas misérias desta vida presente? Não será ele que, com poder admirável e inefável bondade, faz resplandecer os méritos dos mártires onde ele o quer, quando quer, como quer, especialmente nos locais onde se erguem suas sepulturas, porque sabe que a lembrança dos sofrimentos suportados, ao confessar a Cristo, nos é útil para nos confirmar a fé?

Sim, repito, essa é uma questão muito elevada para que eu possa atingi-la e muito complexa para que possa escrutá-la a fundo. Das duas hipóteses de sermos atendidos, que indiquei, qual será a verdadeira? Talvez, os dois processos sejam empregados sucessivamente. Assim, às vezes os mártires atendem-nos com presença pessoal, e às vezes por mediação dos anjos que tomam sua forma. Não ouso decidir e preferiria esclarecer-me junto a homens doutos que o saibam. (...) Porque Deus, em suas liberalidades, concede a uns certos dons e a outros tais outros dons, conforme o ensino do Apóstolo que diz que a ação do Espírito Santo manifesta-se em cada um em vista da utilidade comum. (...) Ora, entre todos esses dons enumerados pelo Apóstolo, quem recebeu o dom do discernimento dos espíritos é esse que conhece, como é preciso conhecer, estas questões, sobre as quais estamos a tratar (O cuidado devido aos mortos, Cap. 16).