Gregório de Nissa: a razão da vinda de Jesus Cristo

Desejas saber o motivo do nascimento de Deus entre os homens? Se eliminares da vida os benefícios que procedem de Deus, não poderás dizer por quais sinais distintivos tu reconheces o divino. Pois são os próprios benefícios que recebemos que nos fazem reconhecer o benfeitor: considerando o que acontece ao nosso redor, conjecturamos por analogia a natureza do benfeitor. Se, portanto, o amor pela humanidade (philanthrōpia) é uma característica própria da natureza divina, eis a razão que tu procuravas, o motivo da presença de Deus entre os homens.

(...) Mas, dizem, era possível que Deus fizesse o bem ao homem e permanecesse imune a toda paixão (apatheia). Aquele que organizou o universo com um ato de vontade e com um só impulso de sua vontade deu existência ao não-ser, por que não arrancou também o homem do poder do inimigo com uma autêntica autoridade divina para reconduzi-lo à condição originária, se isto lhe agradava? Ao contrário, ele percorre um caminho longo e complexo, revestindo a natureza corporal, entrando na vida mediante o nascimento, percorrendo sucessivamente todas as etapas da vida, fazendo, em seguida, a experiência da morte, e assim, mediante a ressurreição de seu corpo, alcança seu objetivo, como se não lhe fosse possível salvar o homem com um decreto, permanecendo nas alturas de sua glória divina, e prescindir de um itinerário tão complicado. É preciso, portanto, de nossa parte, estabelecer a verdade diante das objeções de tal gênero, com o objetivo de eliminar todo impedimento à fé daqueles que procuram com cuidado a explicação racional do mistério.

(...) Com efeito, como no homem que ele reassumiu, a alma retornou novamente ao corpo depois da separação da alma com o corpo, é de algum modo a partir deste ponto de partida que a união do separado se estende igualmente por seu poder a toda natureza humana. E tal é o mistério da economia de Deus a propósito da morte e da ressurreição dentre os mortos: Deus não impediu que a morte separe a alma do corpo segundo a ordem inelutável da natureza, mas, pela ressurreição, ele restabeleceu novamente a união entre os dois, de modo que Ele mesmo se tornasse ponto de encontro (methórion) entre dois domínios, o da morte e o da vida, provocando nele mesmo o fim da dissolução da natureza pela morte e tornando-se ele mesmo princípio de reunificação dos elementos separados (Grande Catequese, XV-XVI).