Irineu de Lião sobre as Escrituras

Em compensação, uma inteligência sã, equilibrada, piedosa e amante da verdade dedicar-se-á a considerar as coisas que Deus pôs em poder dos homens, à disposição dos nossos conhecimentos, e aplicando-se a elas com todo o seu ardor, progredirá e, pelo estudo constante, terá conhecimento fácil. Estas coisas são as que caem debaixo dos nossos olhares e estão contidas claramente e sem ambiguidade, em termos próprios nas Escrituras. Eis por que as parábolas não devem ser adaptadas a coisas ambíguas, porque quem as explica o deve fazer sem acrobacias e devem ser explicadas por todos da mesma maneira, e assim o corpo da verdade se manterá íntegro, harmoniosamente estruturado e livre de transformações.

(...) Ora, uma vez que todas as Escrituras, os Profetas e os Evangelhos, podem ser claramente, sem ambiguidade, e harmoniosamente entendidas por todos (embora nem todos creiam nelas); e uma vez que elas proclamam, excluindo qualquer outro, que um só e único Deus criou todas as coisas por meio de seu Verbo, as visíveis e as invisíveis, as celestes e as terrestres, as que vivem na água e as que se arrastam debaixo da terra, como demonstramos com as próprias palavras da Escritura; e uma vez que o mundo em que nós estamos, por tudo o que apresenta aos nossos olhares, testemunha que é único quem o fez e o governa; parecerão néscios os que diante de manifestação tão clara, estão com os olhos cegos e não querem ver a luz da pregação, então se fecham em si mesmos e com explicações obscuras das parábolas imaginam, cada um, ter encontrado o seu Deus! Com efeito, no que diz respeito ao Pai imaginado por eles, nenhuma Escritura diz algo claramente, em termos próprios e sem contestação possível; e eles próprios são testemunhas disso quando afirmam que o Salvador ensinou estas coisas secretamente, não a todos, mas a alguns discípulos capazes de entendê-las, indicando-as por meio de provas, enigmas e parábolas. E chegam ao ponto de dizer que um é o que é chamado Deus e outro é o Pai, indicado pelas parábolas e pelos enigmas (Contra as heresias, II, 27).