Vicente de Lérins: devemos aderir à regra católica de interpretação da Bíblia

Com frequencia investiguei seriamente e atenciosamente sobre tantos homens eminentes pela santidade e conhecimento, como e por qual regra certa e, por assim dizer, universal, eu seria capaz de distinguir a verdade da fé católica da falsidade da depravação herética. E sempre, e em quase todas as vezes, recebi uma resposta como essa: que (...) devemos, com o auxílio do Senhor, fortificar nossa própria fé de duas maneiras; primeiro, pela autoridade da Escritura Sagrada, e então, pela tradição da Igreja Católica.

Mas então alguém poderia perguntar: uma vez que o cânon da Escritura é completo, e auto-suficiente para tudo, e mais do que suficiente, qual necessidade há de juntar-se a ele a autoridade da interpretação da Igreja? Por essa razão: que, devido à profundidade da Escritura Sagrada, nem todos a aceitam com um único e mesmo sentido, mas um entende as palavras de um jeito, outro diferentemente; por isso ela parece ser capaz de tantas interpretações quantos são os intérpretes. Assim Novaciano a expõe de um jeito, Sabélio de outro, Ário de outro... Portanto, é muito necessário, por conta da complexidade de erros tão diversos, que a regra para a correta interpretação dos Profetas e Apóstolos seja enquadrada de acordo com o padrão da interpretação eclesiástica e católica.

Além disso, na própria Igreja Católica, todo cuidado deve ser tomado, para que seja mantida a fé que foi acreditada em todo lugar, sempre e por todos. Pois essa é verdadeiramente e no sentido estrito "católica", a qual, como o nome diz e sua razão declara, compreende tudo universalmente. Essa regra nós observaremos se seguirmos a universalidade, antiguidade e consenso. Seguiremos a universalidade se confessarmos essa única fé como verdadeira, que é confessada pela Igreja inteira ao redor do mundo; antiguidade, se de modo algum nos afastarmos daquelas interpretações que manifestamente e notoriamente eram mantidas por nossos pais e ancestrais santos; consenso, da mesma maneira, se à antiguidade em si nós acrescentamos as definições e determinações consensuais de todos, ou pelo menos de quase todos os sacerdotes e doutores (Comonitório, II).